segunda-feira, 4 de junho de 2012

Quando és enganada por um cego....

Via-o com frequência na zona de Santa Catarina a pedir dinheiro numa esquina. Chamava-me a atenção - apesar de nunca lhe ter dado uma moeda - por ser cego e falar muito alto enquanto pedia "uma ajudinha".

Um dia, saía do metro no Bolhão para ir almoçar ao centro comercial. Deparei-me com ele, perdido, a falar alto mais uma vez, e a pedir para o ajudarem a sair da estação para Santa Catarina. De duas pessoas que se disponibilizaram, fui eu que o levei. Enquanto isso, ele agradecia muito o auxílio, dizia-me que era de louvar quem ajudava um cego, que a vida estava muito difícil para quem não conseguia ver,- principalmente em arranjar um emprego -  e que às vezes pensava que mais valia não continuar nesta vida. Assustou-me aquela conversa, mas nestas alturas nunca sei o que responder. Por outro lado, o discurso dele deixou-me um pouco de pé atrás porque, se no início me parecia que apenas queria ajuda para sair da estação, no fim já me dava a entender que só tinha pedido auxílio para ver se ganhava uns trocos. Ignorei a situação.

Logo a seguir fui almoçar como era suposto e ele passou novamente. As senhoras que se encontravam atrás de mim viram-no e uma contava à outra que aquele senhor cego era um mal agradecido. Que não precisava de andar a pedir esmola. Que tinha uns pais que cuidavam dele, que não eram propriamente pobres e que faziam tudo pelo filho. Mas que ele não lhes ligava nenhuma. Tratava-os mal até. Fiquei incomodada. Mas não deixava de ser um cego que se notava que não tinha total independência.

Enganas-te, pensei eu na sexta-feira quando esperava pelo metro para ir para casa. Estava eu, distraída como sempre, a pensar na minha vidinha e em como me ia saber bem o fim-de-semana, quando reparo num senhor igualzinho ao cego que ajudei há umas semanas no Bolhão, precisamente na paragem a seguir àquela. Mas essa pessoa, ao contrário do cego, via, olhava o amigo directamente nos olhos, amarrava-se à pega do metro com facilidade, colocando lá a mão directamente e não às apalpadelas. Movimentava-se com 100% da visão ou, pelo menos, sem o auxílio de uma bengala. Era a mesma pessoa. Com os mesmos olhos esbugalhados e estrábicos. Só não era cego. Eu limitei-me a ficar pasmada a olhar para o dito cujo, estupefacta com o que estava a ver. Um senhor normal, apesar do seu visível estrabismo, mas que via. O mesmo que andava a pedir ajuda para se movimentar umas semanas antes, precisamente na estação de metro anterior, sem medo nenhum de ser apanhado por alguém que já o tenha ajudado.

E agora pergunto-me, como é que uma pessoa não há de ser céptica em relação a estes casos, quando vê uma pessoa a pedir esmola na rua porque tem um braço ou uma perna defeituosos, ou porque, imagine-se, é cega e não consegue arranjar emprego. Será que é mesmo? Já tinha ouvido pessoas dizer-me que isso acontecia com frequência, mas custa-me saber que existem pessoas com coragem de enganar desta forma. Por mim, acho que esta me serviu de exemplo.

2 comentários:

  1. Meu deus, ao ponto que a sociedade está a chegar...

    Mil pétalas...

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    1. Bem verdade Irina, nem estava a acreditar no que estava a ver..:(

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