Porque publicamente todos somos umas virgens ofendidas e abençoadas pelo politicamente correcto. E que giro é ouvir os figurões transgredir mesmo num espaço semipúblico. Mas veja-se o primeiro caso da campanha eleitoral. O termo piloso utilizado pelo Dr. Catroga na TV. Um regionalismo, alegaram uns - sabe-se que no Norte se usa muito o calão... Um mal-criadismo, gritaram outros; ou talvez uma tradução do splitting hair, o dividir cabelo a discutir minudências - sabe-se como é atreita a anglicismos esta gente do economês. Tourette! Esgotamento! Daaaasse!
A verdade é que a própria barreira entre o público e o privado se vai esbatendo. Num território jovem da música, cinema, redes sociais, há uma tolerância e contaminação para um território mais adulto, apenas com a exclusão do que é genuinamente infantil. Ou assumidamente 'familiar'.
Mas há termos que foram banidos por serem politicamente incorrectos e as normas até são mais ou rígidas nos termos sexistas ou racistas, mas outras expressões banalizaram-se por serem genéricas ou meras interjeições catárticas, que ajudam a lidar com emoções fortes que vão desde o desagrado à alegria ou servem até para absorver a violência física.
Mesmo que se estabeleçam regras estritas, há imponderáveis. E por mais que se jure ter uma boquinha santa, basta afinfar uma biqueirada com o mindinho no canto de um móvel para fazer corar o Bocage.
Mas é ainda aqui que a asneira grossa se torna interessante: o palavrão tem um efeito de amenizar a dor... O que também pode explicar a sua existência e sobrevivência.
O baixo calão é um fenómeno linguístico praticamente universal e existe provavelmente desde que o homem dá marteladas de sílex em dedos. E surge do centro emocional do cérebro, no hemisfério esquerdo, enquanto a linguagem é produzida no hemisfério direito.
Mas a análise do praguejar só começou recentemente a ser estudada do ponto de vista neurossociopsicológico.
E dizer o termo 'F' ou outro equivalente a seguir a sentir uma dor inesperada é tão natural como o reflexo do martelo no joelho - dizem investigadores. Mas - e aqui é que está a beleza da coisa - a utilização do palavrão ajuda efectivamente a reduzir a dor. Facto científico. Desde que não se use o palavrão diariamente. É esse o 'poder' analgésico do calão: deve ser usado com moderação.
Peço pois compreensão a todos os que me viram na bomba da Galp de Oeiras a dar um tralho no chão depois de torcer um pé a saltar aos gritos e a urrar termos de carroceiro. Estava a colocar um spray de palavrões no pezinho."
Luís Pedro Nunes, in Revista Única
Sem comentários:
Enviar um comentário