quarta-feira, 13 de julho de 2011

O palavrão é um analgésico

"Estamos mais mal-educados? Mais ordinarecos? Seria simplista dizer que é evidente, que basta andar na rua e é tanto o palavrão a saltitar sobre as cabeças que, minhanossasenhora, nunca se viu nada assim em tempo algum. A verdade é que, embora estejamos substancialmente mais civilizados (alguma dúvida?), o calão, mesmo o baixo calão, entrou no vocabulário corrente e às vezes temos nós que preencher de significante o vasilhame terminológico que nos é atirado para se perceber a frase do interlocutor, pois os termos servem apenas para dar colorido, ênfase e ritmo ao discurso. Ouvimos e percebemos que a miudagem (e nós próprios por vezes) nem têm a noção das javardices com que estão a polvilhar a oralidade. Ah c"&r#l@ pois é.

Porque publicamente todos somos umas virgens ofendidas e abençoadas pelo politicamente correcto. E que giro é ouvir os figurões transgredir mesmo num espaço semipúblico. Mas veja-se o primeiro caso da campanha eleitoral. O termo piloso utilizado pelo Dr. Catroga na TV. Um regionalismo, alegaram uns - sabe-se que no Norte se usa muito o calão... Um mal-criadismo, gritaram outros; ou talvez uma tradução do splitting hair, o dividir cabelo a discutir minudências - sabe-se como é atreita a anglicismos esta gente do economês. Tourette! Esgotamento! Daaaasse!

A verdade é que a própria barreira entre o público e o privado se vai esbatendo. Num território jovem da música, cinema, redes sociais, há uma tolerância e contaminação para um território mais adulto, apenas com a exclusão do que é genuinamente infantil. Ou assumidamente 'familiar'.

Mas há termos que foram banidos por serem politicamente incorrectos e as normas até são mais ou rígidas nos termos sexistas ou racistas, mas outras expressões banalizaram-se por serem genéricas ou meras interjeições catárticas, que ajudam a lidar com emoções fortes que vão desde o desagrado à alegria ou servem até para absorver a violência física.

Mesmo que se estabeleçam regras estritas, há imponderáveis. E por mais que se jure ter uma boquinha santa, basta afinfar uma biqueirada com o mindinho no canto de um móvel para fazer corar o Bocage.

Mas é ainda aqui que a asneira grossa se torna interessante: o palavrão tem um efeito de amenizar a dor... O que também pode explicar a sua existência e sobrevivência.

O baixo calão é um fenómeno linguístico praticamente universal e existe provavelmente desde que o homem dá marteladas de sílex em dedos. E surge do centro emocional do cérebro, no hemisfério esquerdo, enquanto a linguagem é produzida no hemisfério direito.

Mas a análise do praguejar só começou recentemente a ser estudada do ponto de vista neurossociopsicológico.

E dizer o termo 'F' ou outro equivalente a seguir a sentir uma dor inesperada é tão natural como o reflexo do martelo no joelho - dizem investigadores. Mas - e aqui é que está a beleza da coisa - a utilização do palavrão ajuda efectivamente a reduzir a dor. Facto científico. Desde que não se use o palavrão diariamente. É esse o 'poder' analgésico do calão: deve ser usado com moderação.

Peço pois compreensão a todos os que me viram na bomba da Galp de Oeiras a dar um tralho no chão depois de torcer um pé a saltar aos gritos e a urrar termos de carroceiro. Estava a colocar um spray de palavrões no pezinho."

Luís Pedro Nunes, in Revista Única

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