quarta-feira, 30 de março de 2011

Para quem tem saudades do Calvin and Hobbes

Encontrei esta interessante reportagem na revista Sábado sobre Bill Watterson - o autor da incontornável banda desenhada de Calvin and Hobbes - a qual passo a transcrever.


"Passaram 15 anos desde que Calvin e o seu amigo tigre, Hobbes, desapareceram das aventuras aos quadradinhos. Na altura, em 1995, a tira de BD estava no auge da popularidade, sendo publicada em mais de 2.400 jornais. O fim foi anunciado com uma pequena nota alegando mudança de interesses do autor, Bill Watterson, e o "aperto dos prazos diários".

A saga durara 10 anos e terminava abruptamente, deixando os fãs sem o convívio diário com o miúdo de 6 anos que se tinha tornado parte da cultura norte-americana. Estes não podiam sequer abraçar um Hobbes de peluche, ver um episódio animado ou vestir uma T-shirt do Calvin (devidamente autorizada), devido à recusa teimosa de Watterson em licenciar qualquer um dos seus personagens para merchandising.

E muitos fãs continuam a sentir a ressaca. "Ainda hoje as pessoas vêm ter comigo e lamentam a perda de Calvin and Hobbes", diz Lucy Caswell, curadora do Billy Ireland Cartoon Library & Museum na Universidade do Ohio, a instituição que alberga quase meio milhão de trabalhos de arte em cartoon, incluindo quase todas as tiras originais de Watterson.

Com pouco ou nenhum marketing, as compilações Calvin and Hobbes (editadas em Portugal pela Gradiva) ainda vendem meio milhão de cópias por ano em todo o mundo, de acordo com a Universal Press Syndicate, totalizando mais de 33 milhões de euros. Um exemplo: The Complete Calvin and Hobbes, uma colecção de três volumes de todas as tiras, vendeu mais de 500 mil cópias. Talvez não pareça tão impressionante - até se perceber que o conjunto pesa 10kg e custa mais de 100 euros.

Bill Watterson cresceu em Chagrin Falls e vive algures no Ohio, Estados Unidos. O criador da célebre BD, cujo isolamento e génio são muitas vezes comparados às do falecido J. D. Salinger, estava ainda na casa dos 30 quando se afastou.

A primeira tira Calvin and Hobbes foi publicada a 18 de Novembro de 1985. No próximo Verão, os Correios dos Estados Unidos vão lançar um selo alusivo à célebre banda desenhada. É a primeira vez que Watterson autoriza algo do género. Recentemente, o fã e autor Nevin Martell até escreveu um livro chamado Looking for Calvin and Hobbes (À procura de Calvin e Hobbes), da Continuum Publishing, que relata não só a história da banda desenhada, mas também a procura pessoal de Martell para tentar encontrar o famoso e isolado Watterson, que se supõe estar ainda a viver algures no Nordeste do Ohio.

Para surpresa geral, Watterson respondeu recentemente a algumas perguntas via email. Esta é a primeira entrevista do solitário artista desde 1989.

Com quase 15 anos de separação e reflexão, o que pensa que fez com que Calvin and Hobbes conquistasse os leitores?
A única parte que percebo é o que vai para a criação das vinhetas. O que os leitores retiram daí é com eles. Quando a banda desenhada é publicada, os leitores trazem para o terreno as suas próprias experiências e o trabalho ganha uma vida própria. Cada pessoa responde de forma diferente a diferentes partes. Eu tentei apenas escrever de forma honesta e fazer com que este pequeno mundo fosse divertido de ver, para que as pessoas quisessem tirar tempo da sua vida para o lerem. Essa foi a minha preocupação. Mistura-se os ingredientes e, de vez em quando, a química acontece. Não acho que alguma vez pudesse replicar o fenómeno. Muitas coisas têm de bater certo ao mesmo tempo.

Qual é o segredo da sua banda desenhada?
Não é um assunto que me faça perder o sono. Os leitores decidirão sempre se o trabalho é significativo e relevante para eles, e eu posso viver com qualquer conclusão a que cheguem. O meu papel em tudo isto acaba quando a tinta seca.


Os leitores tornaram-se amigos dos seus personagens. Vestiram o luto quando a banda desenhada acabou. O que gostaria de lhes dizer?
Não é tão difícil de compreender como se tenta fazer parecer. Passados 10 anos eu tinha dito praticamente tudo. É sempre melhor deixar a festa mais cedo. Se tivesse navegado ao sabor da popularidade e me tivesse repetido mais uns cinco, 10 ou 20 anos, as pessoas que estão agora "de luto" pelo Calvin and Hobbes desejariam que eu estivesse morto e rogariam pragas aos jornais por publicarem bandas desenhadas entediantes e antigas como a minha, em vez de adquirirem talentos mais frescos e animados. E eu concordaria com elas. Acho que alguma da razão pela qual Calvin and Hobbes ainda encontra um público hoje será eu não ter conduzido o carro até as rodas caírem, por assim dizer. Nunca me arrependi de ter parado quando o fiz.

O seu trabalho tocou muita gente, os seus fãs sentem uma ligação consigo. Vêem-no como uma estrela rock. Eles querem mais do seu trabalho, mais Calvin, outra BD, qualquer coisa. Tendo em conta a sua aversão à exposição pública, como lida com isso?
Ah... a vida do cartoonista de jornal - como eu sinto falta dos groupies, das drogas e dos quartos de hotel escavacados! Mas desde os meus dias de "estrela rock", a atenção do público tem esmorecido muito. Se medirmos em anos de cultura pop, os anos 90 foram há séculos. Há uns episódios de esquisitice ocasionalmente. Mas a maior parte do tempo vou levando a minha vida sossegada e faço o melhor que posso por ignorar o resto. Tenho orgulho na minha banda desenhada, estou imensamente grato pelo seu sucesso e verdadeiramente lisonjeado que as pessoas ainda a leiam, mas escrevi o Calvin and Hobbes quando tinha 30 anos e estou a milhas de onde estava. Uma obra de arte pode ficar congelada no tempo, mas eu fui caminhando ao longo dos anos como qualquer outra pessoa. Acho que os fãs mais profundos compreendem isso e estão dispostos a dar-me espaço para seguir com a minha vida.

Depois de os Correios dos EUA emitirem um selo do Calvin, quando vai enviar uma carta com um colado no envelope?
Imediatamente. Vou logo atrelar o meu cavalo à carruagem para ir enviar por correio regular um cheque para renovar a minha assinatura do jornal.

Como quer que as pessoas se lembrem daquele rapaz de 6 anos e do seu tigre?
Eu voto: Calvin and Hobbes, Oitava Maravilha do Mundo."

in, Revista Sábado, 18 de Fevereiro de 2010, por John Campanelli, The Plain Dealer


(As imagens não fazem parte da reportagem. Foram retiradas dos sites:
1ª imagem: http://tralhasgratis.forumeiros.com/t6816-calvin-hobbes;
2ª imagem: http://nymag.com/daily/entertainment/2007/10/wall_street_journal_somehow_fi.html;
3ª imagem: http://humbertobz.net/page/4/;
4ª imagem: http://nemvaleapenadizermaisnada.blogspot.com/2010/04/define-historia.html)

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